segunda-feira, 14 de maio de 2007

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO

A imprensa não é mais a mesma (não diga “ah, vá!”, ainda). Durante o século XX as mudanças nos jornais já foram enormes, com a diminuição dos textos, o apego a fatos pontuais e descontextualizados e o aumento da utilização de fotografias. A popularização da televisão parecia ameaçar a mídia impressa. Na última década, porém, essas mudanças foram astronômicas, com o advento da internet e tudo o que ela engloba. As teorias da conspiração surgiram junto com a avassaladora velocidade dessas mudanças e o tanto que elas afetam nossa vida cotidiana. Quanto tempo por dia você passa lendo e respondendo e-mails? E procurando vídeos no YouTube? Fuçando na vida alheia pelo Orkut? Conversando pelo MSN? Fazendo trabalhos com a ferramenta de busca do Google? Já trocou as lojas físicas pelas online? Hmmm...

Há três anos, o jornalista Matt Thompson produziu um vídeo de oito minutos que virou fenômeno de audiência, de paranóia, e de discussão. Basicamente ele conta como o Google englobou o mundo e se fez necessário, único, dando conta da vida de todos em todos os aspectos: perfil social, amigos, família, relações, opiniões, desejos, compras, trabalho, informação, etc. Controlando todos esses aspectos, já em 2014 a empresa Google teria como puxar um perfil detalhado de cada um, para o bem ou para o mal. Dê uma olhada no vídeo (http://epic.makingithappen.co.uk/) ou leia abaixo um resumo da estória (ou história? – algumas previsões já se realizaram). Se não quiser os detalhes, pule as estrelinhas e siga pela estrada de tijolos amarelos.

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EPIC, 2014

Em 1989, Tim Berners-Lee concebe a World Wide Web. Em 1994, a Amazon inicia suas atividades como uma loja que vende absolutamente qualquer coisa e consegue até fazer sugestões automáticas personalizadas para seus usuários. Em 1998, o Google é criado por dois estudantes da Universidade de Stanford, com a promessa do mais rápido e efetivo sistema de busca do mundo. Em 1999, a TiVo muda a concepção de TV, libertando-a dos grilhões do tempo e da publicidade – você escolhe o que quer assistir e a que horas quer assistir, sem intervalos. No mesmo ano, o Blogger, uma ferramenta para qualquer um escrever o que quiser sobre o que quiser, é fundado. O Google vai se desenvolvendo rapidamente e cria, entre outras coisas, o Google News, um serviço único que não necessita da intervenção humana: é completamente editado por computadores. Em 2002, o site Friendster é lançado, algo como uma primeira versão do Orkut, em que as pessoas preenchem detalhadamente seus perfis pessoais, colocam fotos, juntam seus amigos e interagem.

Em 2003, o Google compra o Blogger. Em 2004, cria o Gmail, colocando no chinelo o rival Hotmail, da Microsoft. O Google começa a digitalizar os acervos de bibliotecas, e compra o Keyhole, que vira Google Earth, uma companhia que mapeia o mundo através de satélite. A revista Reason manda para cada assinante um exemplar com uma foto de satélite da sua casa na capa e informações personalizadas no miolo.

(Lembre-se, de agora em diante, são suposições do autor; ele fez o filme em 2004).

Em 2005, a Microsoft compra o Friendster em resposta ao Google. A Apple cria o WifiPod, que permite aos usuários mandar e receber mensagens instantâneas (bem, o celular já faz isso).

O Google, com tudo o que já possui, cria o Google Grid, uma plataforma universal que oferece espaço ilimitado para o usuário guardar qualquer tipo de arquivo e escolher o quê quer manter privado e o quê deseja tornar público. Em 2007 a Microsoft cria o Newsbotster, uma rede de informação social que seleciona notícias para cada usuário baseada no que seus amigos e colegas lêem, e permite que qualquer um comente sobre o que vê.

Em 2008, o Google e a Amazon se fundem, formando o Googlezon - a primeira oferece seu Grid e a segunda oferece as informações personalizadas. Googlezon é um sistema de procura automática em todas as fontes de conteúdo; ele proporciona, baseado nas informações pessoais adquiridas, as informações que julga interessar ao usuário. É uma máquina que pensa e decide por nós.

Em 2010, a guerra da informação explode entre a Microsoft e o Googlezon. O mais curioso é que essa guerra não envolve organizações reais de produção de notícias. No ano seguinte, o Quarto Poder emerge para fazer sua primeira e última intervenção: O “New York Times” processa o Googlezon sob a alegação de que “os ‘robôs de despir fatos’ violam a lei de propriedade intelectual”. O jornal perde.

Em 2014, a Googlezon cria a EPIC (“Evolving Personalized Information Construct”), algo como “Construção da Informação Personalizada em Desenvolvimento”, que paga aos usuários (ou seja, todo o mundo) para contribuírem com qualquer informação no grid central, permitindo que o sistema selecione e dissemine notícias customizadas, sem a interferência de jornalistas – ela aleatoriamente retira partes de textos e troca com outras partes de outros textos, mudando as histórias de acordo com o gosto de seus usuários, formando um produto totalmente individualizado. Os arquivos da EPIC não categorizam apenas notícias, mas informações demográficas, visões políticas e hábitos de consumo de cada um. No seu melhor, a EPIC é um sumário do mundo, maior, mais abrangente e específico do que qualquer outra ferramenta existente. Por outro lado, a EPIC é meramente uma coleção de trivialidades, muitas falsas, e todas limitadas, rasas e sensacionalistas. As empresas de mídia tradicionais vão à falência uma a uma, e a última que sobra, o “New York Times”, sai da Web para virar uma newsletter impressa para a elite.

“Mas era isso o que queríamos, não?”, questiona o autor.

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A ESTRADA DE TIJOLOS AMARELOS

O vídeo da EPIC, embora um pouco exagerado, mostra uma seqüência de acontecimentos que já está em curso. Não acredito que a História será reescrita, assim orwellianamente, virtualmente, mas estamos cada vez mais dependentes do mundo virtual, em detrimento do real. Estamos em plena era da informação, recebendo partes de notícias pelo celular, pelo rádio, pela televisão, pela internet. Os jornais criam novos projetos gráficos, para otimizar a leitura; lemos muitas vezes apenas as manchetes nos portais da internet; vemos um pedaço do noticiário na TV antes de mudar de canal. A pressa dos leitores muda a maneira como os escritores escrevem. São sempre lampejos de um fato, nunca – e cada vez menos – o contexto, causas, conseqüências. Estamos perdendo a dimensão do todo.

Uma verdade descontextualizada é quase tão nociva quanto uma mentira.

Não bastasse essa escassez de completude, qualquer pessoa pode publicar o que bem entender na Web, sem maiores conseqüências (a Lei ainda não descobriu um meio efetivo de julgar internautas). Isso é bom por um lado, porque não deixa a voz das opiniões permanecer com os acadêmicos, técnicos e renomados. Por outro lado, empesteia os WWWs de bobagens, equívocos e mentiras maquiadas de verdades. Quem decide o que é o quê?

Blogs pessoais, Fotologs, Perfis de Orkut, gente se desnudando (não só fisicamente) na Web. E agora, a última são os “twitters” (palavra originada de “twit”, o som dos passarinhos), pessoas que postam na internet tudo o que fazem o tempo todo, geralmente através de celulares. Coisas do tipo “saí de casa”, ou “cheguei ao shopping”, ou “estou parado no trânsito”. Textos minúsculos, que não podem ultrapassar 140 caracteres, sem interesse algum para qualquer um que não seja quem está postando ou quem está vigiando quem está postando.

As teorias da conspiração podem até ser exageradas (ou não; você já reparou que as propagandas do lado direito do seu Gmail sempre utilizam como base alguma palavra usada nos seus últimos e-mails?), mas apontam para o caminho aparentemente sem volta da desinformação em plena era da informação. E agora, quem poderá nos defender?

2 comentários:

Thiago Crespo disse...

Estes dois rapazes dominam o mundo. Resignemo-nos em nome dos prazeres deste deus da modernidade e esqueçamos essa coisa de conspiração.

Essas teorias existem desde que o mundo é mundo, vai. Ignore-as e vamos combinar nossa cervejada via Google Talk.

ps. Postei meu comentário no seu texto sobre os shows. Postei! Eu postei!!

Eduardo disse...

Talvez não seja conspiraçâo, mas apenas cifras. E talvez estas cifras, como não poderiam deixar de ser, operam no mesmo compasso de políticas. Quem vai saber? Tenho me sentido mal informado.