sábado, 30 de junho de 2007

LATE, MAS NÃO MORDE

Às vésperas de completar vinte e dois anos, fui soterrado, sem qualquer chance de resistência, por um pedregulho de desilusão. Depois de sair de um show da Cachorro Grande no teatro do Sesi, em São Paulo, meio desolado, até tentei não perceber o óbvio: o rock era o tal pedregulho.

Na companhia de uns chapas, saí com um riso amarelo e uma ponta de não querer acreditar em alguma coisa (“eles são bons pra caramba, vocês não acham?”). Às 21h15 daquela terça-feira, eu tomei um metrô e voltei ao trabalho. Aliás, foi neste exato caminho que não pude mais tentar me trair: eu estava transpirando mais no vagão do metrô vazio do que havia transpirado durante todo o show. O rock havia me enganado, era isso? Mas, que cacete, por onde ele andava?

Cachorro Grande é roots, não posso dizer que perdi viagem. Se tudo dependesse deles (só deles!), aliás, talvez a pedra se esfarelasse antes de me pegar. Mas não. A organização, que é até gente fina de promover essas coisas a três reais, perdeu os limites e me tirou do sério. Cheguei às 20h15, o show havia começado às 20h00 e, no ingresso, pediam pra chegar às 19h45. Não era show do Ari Toledo, porra! Cheguei atrasado, mas, em meio minuto, eu estava na frente do palco. Cadê o rock nisso aí? O pessoal que foi, das patricinhas da lista VIP vestindo umas roupas chiques que eu não sei o nome até os cachorrinhos alinhadíssimos de terno e boina, estava, por assim dizer, meio miado (putz, eu juro que queria evitar esse trocadalho). Tentavam se agitar, ok, mas sempre com o cuidado de não borrar a maquiagem ou desamarrar o cadarço do All Star modelo novo.

Estava tudo comportado demais, num case de politicamente correto jamais imaginado por qualquer tiozão reaça: proibido fumar, proibido tirar foto, proibido tirar a camisa, proibido tomar cerveja (lá não vende e é proibido levar de fora), proibido destruir os assentos estofados que dividiam as pessoas em fileiras separadas (mas, graças ao diabo, ninguém estava sentado, pelo menos); proibido gritar, perder os modos, socar alguém na brincadeira.

Olhando para tudo aquilo, lembrei, entre aspas, da depredação geral de um lugar parecido na época do lançamento do Cabeça Dinossauro, dos Titãs. Ou de uma tal guerra de sorvetes promovida pelo público dos Paralamas, se não me engano, num shopping do Rio. Entre outros oitentismos, pra ficar na reviravolta nacional. Deve ter sido foda pacas (uma guerra de sorvete, por mais fria que seja, deixaria qualquer um daqueles seguranças do Sesi absolutamente descontrolados).

Mas, como eu ia dizendo, a culpa era muito menos da banda. E nem só do Sesi, também. Serião, afinal, é só pensar que hoje em dia os Titãs fazem pose de rebeldes com uma musiqueta de protesto bocó e os Paralamas são regravados por Rio Negro & Solimões. A Cachorro Grande se esforça, tem um look meio beatle-desleixado, umas coisinhas bem legais e um vocalista que usa uma camiseta escrito “who the fuck is Mick Jagger?”, mas, sinceramente (opa, olha o trocadalho!), o rock é bem, mas beeeem maior que isso. E, como diriam os Los Hermanos, eu não estava lá, mas eu vi. Eu sei que é.

Quando saí de lá mais limpo do que quando cheguei, enfim, percebi que tinha alguma coisa errada, muito mamão com açúcar e pouca seringa na veia, pouca coisa do mal. Caretice, quadradice, pilantragem e um baixista que se dignou a dizer duas únicas palavras muito rock’n’roll para os seus filhotes durante todo o espetáculo cronometrado: “Putaqueopariu, meeeu!”, naquele gauchês arrastado, sabe? No mais perfeito retrato de um rock meio brocha, sem perigo algum. Sóóóó.

Pode até parecer clichezão vir com esse papo de morte do rock e tal, mas... peraí! Quem foi que falou aqui que ele morreu? Pô, bicho, eu ainda tenho vinte e dois anos!! O rock não morreu, não, de jeito nenhum. Mas é um velhinho pançudo e acomodado em uma daquelas poltronas do último disco do Mccartney, com a língua de fora, como uma distorção real daquela que os Rolling Stones eternizaram. Putaqueopariu, mêo.

Rockers, nem tanto

O show da Cachorro foi na semana passada, desde quando eu vim pensando se as coisas eram realmente assim ou se eu estava fantasiando demais em torno do mítico quase sexagenário. Aí, ontem, eu resolvi dar um pulo na exposição do Bob Gruen, o fotógrafo que conheceu de perto os maiores nomes do mundo (isso, do mundo). Se, por um lado (digo, o das fotos), entendi que não estava fantasiando nada, que o negócio tinha sido realmente fodástico, por outro eu tive certeza que o rock tinha virado mesmo um melindre cheio de dedos.

Na entrada, naquele puta salão bonito da FAAP, o primeiro funcionário desconfiado já interceptou minha amiga por causa do tamanho da bolsa dela. Bolsas, só até aquele tamanho ali, apontou (um tamanho que, diga-se de passagem, dava pra levar facilmente um quadrinho pequeno da exposição, se esse era o caso de proibirem – sempre esse verbo – a entrada de sacolas maiores). Vá lá, fomos para o guarda-volumes.
Depois de uns dez minutos que estávamos lá dentro, nova abordagem.

- Por gentileza, senhores, é proibido tirar fotos.
- Ah, sim, obrigado, mas não estamos tirando fotos.
- É proibido falar ao telefone celular, também.
- Certo, não estamos falando.
- É proibido atendê-lo, senhor.
- É mensagem!
- Não se pode enviar mensagens, senhor.
- Não enviamos. Recebemos.
- Não se pode usar o celular aqui dentro. Obrigado.

Pouco ruborizados e muito perplexos, deixamos pra lá e seguimos apreciando as fotos do New York Dolls, enquanto ainda ríamos da mensagem enviada pelo amigo. Nossas risadas, inclusive, incomodavam o segurança que não gostava de celulares. Fo-da-se!

Exposição bacana, mas, como nem tudo é perfeito, entre o Iggy Pop, o Kiss, o Led Zeppelin, o Lennon e os Ramones, estava... não, não a Yoko... estavam os seguranças, vulgo mibes, falsos donos da ordem, capanguinhas de terno e gravata. Num outro momento de imensa viagem ao olhar para todos aqueles registros, chegou outro rapaz muito educado e me pediu para jogar o chiclete fora. “É proibido, senhor”, explicou.

Não era possível. Não era possível. Que merda era aquela? Uma piada? Uma pegadinha? Numa exposição de rock, R-O-C-K, meu amigo, era tudo tão gay assim? Mas, de novo, tentei me convencer de que as coisas faziam sentido. “Bom, é verdade, imagina se alguém resolve grudar um chiclete nessas preciosidades?”, ao que me minha amiga responde “Ué, você também poderia grudar uma caquinha de nariz, e isso eles não podem te impedir de trazer”. Concordei plenamente e guardei o chiclete na boca.

Durante todo o passeio foi assim, seguranças rondando a menos de dois passos, medindo dos pés à cabeça, à espera de qualquer deslize (ou não), de qualquer pecado grosseiro dos visitantes, como farejadores que, na falta do que fazer, procuram o que fazer para justificar o dia e passar o tempo. Tudo bem, de novo, DE NOVO, dá pra entender. Deve ser chato pacas ficar naquele lugar meio mórbido e cheio de fotos de caras que eles não têm a mínima idéia do que significam.

Como bons cães de guarda, eles cumprem ordens, apenas. Não sejamos injustos. Mas que diriam, então, se, por acaso, eu quisesse entrar com um cachorro-quente igual ao daquele cara que estampa todos os anúncios da exposição? Sid Vicious, né? Não rolaria. Só do lado de fora. Pendurado.

Viva o velhinho molenga e seus seguidores cretinos.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

E por isso é que eu gosto de pop

São as duas melhores músicas novas que ouvi nos últimos tempos, é isso.

Porque eu não gosto de rock, parte 2



Losing My Edge



Yeah, I'm losing my edge.
I'm losing my edge.
The kids are coming up from behind.
I'm losing my edge.
I'm losing my edge to the kids from France and from London.
But I was there.

I was there in 1968.
I was there at the first Can show in Cologne.
I'm losing my edge.
I'm losing my edge to the kids whose footsteps I hear when they get on the decks.
I'm losing my edge to the Internet seekers who can tell me every member of every good group from 1962 to 1978.
I'm losing my edge.

To all the kids in Tokyo and Berlin.
I'm losing my edge to the art-school Brooklynites in little jackets and borrowed nostalgia for the unremembered eighties.

But I'm losing my edge.
I'm losing my edge, but I was there.
I was there.
But I was there.

I'm losing my edge.
I'm losing my edge.

I can hear the footsteps every night on the decks.
But I was there.
I was there in 1974 at the first Suicide practices in a loft in New York City.
I was working on the organ sounds with much patience.
I was there when Captain Beefheart started up his first band.
I told him, "Don't do it that way. You'll never make a dime."
I was there.
I was the first guy playing Daft Punk to the rock kids.
I played it at CBGB's.
Everybody thought I was crazy.
We all know.
I was there.
I was there.
I've never been wrong.

I used to work in the record store.
I had everything before anyone.
I was there in the Paradise Garage DJ booth with Larry Levan.
I was there in Jamaica during the great sound clashes.
I woke up naked on the beach in Ibiza in 1988.

But I'm losing my edge to better-looking people with better ideas and more talent.
And they're actually really, really nice.

I'm losing my edge.

I heard you have a compilation of every good song ever done by anybody. Every great song by the Beach Boys. All the underground hits. All the Modern Lovers tracks. I heard you have a vinyl of every Niagra record on German import. I heard that you have a white label of every seminal Detroit techno hit - 1985, '86, '87. I heard that you have a CD compilation of every good '60s cut and another box set from the '70s.

I hear you're buying a synthesizer and an arpeggiator and are throwing your computer out the window because you want to make something real. You want to make a Yaz record.

I hear that you and your band have sold your guitars and bought turntables.
I hear that you and your band have sold your turntables and bought guitars.

I hear everybody that you know is more relevant than everybody that I know.

But have you seen my records? This Heat, Pere Ubu, Outsiders, Nation of Ulysses, Mars, The Trojans, The Black Dice, Todd Terry, the Germs, Section 25, Althea and Donna, Sexual Harrassment, a-ha, Pere Ubu, Dorothy Ashby, PIL, the Fania All-Stars, the Bar-Kays, the Human League, the Normal, Lou Reed, Scott Walker, Monks, Niagra,

Joy Division, Lower 48, the Association, Sun Ra,
Scientists, Royal Trux, 10cc,

Eric B. and Rakim, Index, Basic Channel, Soulsonic Force ("just hit me"!), Juan Atkins, David Axelrod, Electric Prunes, Gil! Scott! Heron!, the Slits, Faust, Mantronix, Pharaoh Sanders and the Fire Engines, the Swans, the Soft Cell, the Sonics, the Sonics, the Sonics, the Sonics.

You don't know what you really want.

Porque eu não gosto de rock, parte 1



(I’m Gonna Follow Your) Star Trail

I walk the tightrope
That's on fire at both ends
And if one side goes out
I'm gonna light it up again

Cos I need to be wild
I need to be your wild child
And I need to be yours
Cos you're the one that I adore

I'm gonna follow your STAR STAR STAR STAR TRAIL TRAIL TRAIL TRAIL
Knowing that I'll fail
Gonna follow your STAR STAR STAR STAR TRAIL TRAIL TRAIL TRAIL
Knowing that I'll fail

I cross the freeway
Where the cars go fast at night
I banish unbelievers
Cos they don't like it when I fight

But I need to be leashed
Cos trouble follows when I'm free
And I need to be yours
Cos you're the one that I adore

I'm gonna follow your STAR STAR STAR STAR TRAIL TRAIL TRAIL TRAIL
Knowing that I'll fail
Gonna follow your STAR STAR STAR STAR TRAIL TRAIL TRAIL TRAIL
Knowing that I'll fail

Green eyes, no surprise
I'm not unique
But it's all that I need right now
Sunrise - more goodbyes
Take from my heart
But without you I'll fall apart

I'm gonna follow your STAR STAR STAR STAR TRAIL TRAIL TRAIL TRAIL
Knowing that I'll fail
Gonna follow your STAR STAR STAR STAR TRAIL TRAIL TRAIL TRAIL
Knowing that I'll fail

sábado, 16 de junho de 2007

Estado de grande inquietude que parece apertar o coração

O céu desaba.
O trem não chega.
O guarda-chuva que não abre.
Um dia, tudo desanda.
A porta emperra, a casa cai.
Promessas se esvaem, o amor acaba.
Por isso, e apesar disso,
sou um sobreposto de ilusões.
Angústias, desejos, frustrações,
fantasias, medos, euforias.
Se, de repente, eu pudesse me livrar de tudo,
seria leve como um nada;
nem existiria.
Mas não.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Uma história (verdadeira)

Era para ser um comentário ao post do Eduardo, mas ficou comprido. Fica como minha primeira contribuição.
**
Mais ou menos na mesma época do Phono 73 e da censura ao "Cálice", Alexandre Vanucchi Leme, estudante de Geologia da USP, havia sido morto no DOPS. Um grupo de estudantes procurou o Gilberto Gil, que dava show também em São Paulo, para que ele fizesse um show na USP em solidariedade. Gil, a princípio não quis se envolver, mas diante da insistência dos estudantes, ele topou fazer uma apresentação modesta, só ele e o violão, pois não tinha como pagar para toda a banda ir com ele e os estudantes também não tinham como bancar equipamento e cachê. Pois bem, ele foi, com o violão, numa sala de aula na Poli, lotada, com gente pendurada pela janela e sentada no chão (incluindo esta que vos fala, com dez anos incompletos e junto com os pais; minha irmã mais velha estava naquele grupo de estudantes).
Era para ser um show breve, mas ele foi se animando e cantando, naquela sala meio escura, naquela USP meio deserta (era um sábado ou domngo, entre o meio e o final da tarde). Às tantas, alguém da platéia pediu que ele cantasse "Cálice", ele recusou, dizendo que não podia (já tinha rolado a história com o Chico no Phono 73), que não sabia a letra... Mas alguém, na platéia, tinha uma cópia da letra, na verdade, comearam a circular algumas cópias das letras e, de novo, diante da insistência, o Gil topou -- só tocar a música, sem cantar. E aquelas cópias da letra, surgidas sabe-se lá de onde, circulando pela platéia, permitiram que o público, aos poucos, formasse um coro poderoso de "cale-se".
Se esse foi o momento político meio arrepiante (33 anos depois, não ouço essa música sem evocar a cena, às vezes como apenas cenário, às vezes com um nó na garganta), em um outro episódio desse mesmo show, Gil conseguiu botar a platéia em uma espécie de transe religioso (era seu período mais místico, num sincretismo afro-zen-hippie maluco). Ele começou a contar que tinha ido ao carnaval de Salvador, procurar os afoxés, e tinha encontrado os grupos esvaziados, desanimados, desesperançados: "afoxé tá prá acabar", ninguém mais quer ver nem participar.
E isso vai virando uma introdução longuíssima, a voz do Gil como a dos pretos velhos do afoxé, num português com acento iorubá, repetindo numa espécie de mantra "afoxé tá prá acabar", "afoxé tá prá acabar", a batida dos dedos no violão como a imitar os atabaques ("os atabaques batendo, os agogôs cantando e a gente se arrepiando") e movendo o corpo como a receber um santo, até que finalmente ele começa a cantar "Filhos de Gandhi" ("ai, meu pai do céu, na Terra é Carnaval, manda o pessoal, manda descer para ver Filhos de Gandhi/ Iemanjá chama Xangô, Oxóssi também/manda descer para ver Filhos de Gandhi").

naquele momento solitário (na USP, nos anos 70, havia uma sensação de isolamento muito grande; o "outro lado" da ponte não era assim tão habitado quanto é hoje e, além da geografia urbana, havia outras razões, ideológicas, para a universidade, como foco de resistência cultural e política, estar apartada; evidentemente, essa elaboração é posterior, mas a sensação é da minha memória) e escuro (por causa da luz da tarde que se esvaía, das celas mal iluminadas onde aconteciam os terríveis interrogatórios, das trevas metafóricas que estavam por todas as letras de música e todos os escritos de jornal), invocar os orixás parecia dar transcendência ao ato coletivo de ouvir música.

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Toda essa história está contada com mais detalhes em “Cale-se”, livro-reportagem de Caio Túlio Costa publicado em 2003. Para mais informações, tem um artigo bacana sobre o livro publicado no Observatório da Imprensa, outro do Mário Sergio Conti não tão bacana assim e ainda um da Folha, escrito pelo Marcelo Rubens Paiva que, como eu, era irmão mais novo dos "agitadores" de 73.

terça-feira, 12 de junho de 2007

O CARA CERTO NO LUGAR CERTO (e com um tanto de talento)

O movimento punk nasceu na Inglaterra como um protesto social contra o desemprego, a qualidade de vida, a economia recessiva e os insucessos políticos para solucionar tais problemas. Certo? Absolutamente errado, segundo o livro “Mate-me Por Favor”, uma coletânea de entrevistas com os personagens principais dessa história (os músicos, as groupies e os agregados), organizado em forma de diálogo por dois jornalistas. A edição é impressionante e faz com que a verdade vá aparecendo pela repetição, entre uma porção de mentiras, aumentos, e relatos de gente que estava, na maior parte do tempo, em outra dimensão.

O punk, de fato, ou pelo menos suas raízes, estão nos Estados Unidos, com bandas de jovens arruaceiros e perdidos que tocavam em pequenos clubes no começo dos anos 70. Daí vieram os Stooges de Iggy Pop, o Televison, Dead Boys, Dictators, New York Dolls, Ramones, Blondie e cia. E é aí que entra Bob Gruen, fotógrafo que ganhou fama documentando shows, backstages, festas, orgias, intimidades e momentos de criação destes que viriam (para a surpresa deles, que se julgavam “ratos de porão”) a fazer História. Algumas de suas fotos mais famosas, como a de John Lennon com a camiseta “New York” (dada a ele pelo próprio Gruen), estão na exposição Rockers, na FAAP, até 1º de julho (http://www.bobgruen.com/events.htm).

Suas primeiras fotos foram tiradas assim, aos 20 anos, desempregado, por diversão, do ídolo Bob Dylan. Gruen conseguiu um passe livre para ficar lá na frente junto com fotógrafos profissionais no Newport Folk Festival, em 1965 - alguém imagina isso acontecendo hoje? -, aquele em que Dylan empunhou uma guitarra e disse “rock’n’roll é folk music”, e foi vaiado até sair do palco.



Cercado de amigos com bandas de rock, estas desconhecidas na época e hoje, Gruen começou a fotografá-los nas noitadas e documentar os shows. Um desses amigos arrastou-o para o show de Tina Turner e Ike, em 1970, e, imaginem, era um show pequeno, de início de carreira da dupla, no Queens. Gruen conseguiu um lugar bem na frente e tirou várias fotos de Tina dançando na luz estroboscópica, o que deu criou um efeito impressionante nos negativos preto e branco. No show seguinte, ele levou as fotos para mostrar para os amigos, que, na saída, praticamente jogaram Gruen em cima de Ike para que mostrasse seu trabalho. E Tina adorou. Essas fotos, aliás, estão logo no início da exposição, com um metro de altura.



O “cara certo no lugar certo”, como ele mesmo já disse, virou depois melhor amigo e fotógrafo oficial de John Lennon e Yoko Ono, na época em que estavam em Nova York. Depois foi conhecendo produtores, gravadoras e jornalistas, e conseguindo trabalhos aqui e ali, com os Bee Gees, Elton John, etc.

Gruen conta* como ficava até a uma da manhã fotografando para ganhar dinheiro com os “irritadinhos” da indústria da música (ele não cita nomes) e depois ia ao centro da cidade, ao Max’s ou ao CBGB’s, os clubinhos underground, tomar uma cerveja, ficar com os amigos e ver a banda, geralmente garotos desempregados que aprendiam dois ou três acordes e formavam um grupo para ganhar o dinheiro da noite. Com os NY Dolls foi assim, com Patti Smith também, Ramones idem, Debbie Harry ibidem. Bem, o resto já se sabe: o público cresceu, surgiram os contratos, eles ganharam o inesperado dinheiro, destruíram hotéis, fizeram turnês pela Europa, e muitos morreram de acidentes ou overdose. Ah, Gruen também viajou muito pela Inglaterra, acompanhou os Sex Pistols (a foto de Sid Vicious lambrecado de cachorro-quente está na fachada da FAAP, e também integra a exposição) e o conturbado relacionamento de Sid com Nancy Spungen. No livro “Mate-me Por Favor” existem relatos que contrariam a versão oficial de que ele a teria matado durante uma festa regada a drogas em um quarto do Chelsea Hotel. O próprio Bob Gruen disse que “vicious” (algo como “malicioso”) era totalmente o contrário do que era Sid, apaixonado e medroso.



Bob Gruen tinha duas vantagens que provavelmente não percebia na época: era um dos únicos que “perdia tempo” fotografando músicos esquisitos, que, por serem proposital e assumidamente esquisitos (e, achava-se, fadados aos pequenos palcos das lanchonetes improvisadas até terem um emprego “decente”) se deixavam fotografar nas situações mais esdrúxulas e naturais do seu cotidiano. Bem, e tinha o fato de ele ser amigo de todos eles, presente em todas as festas, shows e viagens. Gruen vendia algumas dessas fotos para a Creem e a Rock Scene, revistas respeitadas no meio. Na época, só no meio. Hoje, Bob faz exposições. Quando surgiu a câmera de vídeo, ele começou a filmar os shows, e as bandas se empolgavam para ver os próprios shows, capturados em vídeo pela primeira vez. Hoje, Bob vendeu alguns trechos para documentários da BBC e da Warner. É, o mundo mudou.


*Informações tiradas da entrevista com Carlo McCormick (http://www.bobgruen.com/interview.htm) e do livro “Mate-me Por Favor”, de Legs McNeil e Gillian McCain – que, aliás, fundaram a “Punk Magazine”, revista e fanzine do clubinho e que, dizem eles, cunhou o termo “punk” (http://www.nyrock.com/killme.htm).

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Censura: violência e silêncio na música Cálice

A censura oficial do regime militar brasileiro é motivo de diversas discussões entre artistas e músicos brasileiros. Se para alguns, como o maestro Júlio Medaglia, ela incentivou a criatividade, para outros, como Chico Buarque, ela significou um obstáculo, uma pedra no caminho da produção artística e intelectual brasileira.

Chico revelou em várias entrevistas que o controle externo do conteúdo de suas canções interferia na criação, ceifando muitas idéias e possibilidades de uma música. Ademais, os artifícios para se driblar a censura, como o uso de metáforas, deixaram, muitas vezes, tão intrincados os sentidos das letras que atualmente o próprio compositor não recorda o sentido de determinadas passagens. Chico Buarque representou em diversas músicas esta opressão sentida pela censura sistemática que sofria e pela negação política de sua obra, vista pelo compositor como um roubo da própria voz.

Cálice, feita em parceria com Gilberto Gil, é um exemplo de música alegórica a respeito da censura e das dificuldades de se compor sob ela, podendo ser encarada como uma metalinguagem da palavra expropriada, pois trata da expressão contida, no limite levando ao silêncio. Na canção, a palavra cálice é repetida freqüentemente, adotando o sentido e a sonoridade de cale-se, representação da repressão sobre a produção cultural – a manifestação artística calada arbitrariamente pelo Estado.

Na música, o silêncio imposto torna-se, progressivamente, mais violento a cada estrofe, como uma censura que vai se institucionalizando, profissionalizando e tornando-se mais forte. Na primeira estrofe há o verso: “mesmo calada a boca resta o peito”. Na terceira: “mesmo calado o peito resta a cuca”. E, por fim, na última, a própria cabeça é perdida, e sem ela há o silêncio total: “quero perder de vez tua cabeça / minha cabeça perder seu juízo”. Nesse trecho, a boca pode ser encarada como simbolizando a capacidade de comunicação; o peito, a capacidade de sentir e a cabeça a capacidade de pensar, ou seja, gradualmente extinguiram-se as próprias faculdades humanas, a impossibilidade de manifestação do pensamento por meio da palavra anula o próprio indivíduo, decapita o artista.

A composição, gravada em 1973, parece dialogar diretamente com o governo Médici, que usou, além da censura, a tortura e a morte para calar os chamados subversivos, ou seja, aqueles que ousavam falar. O verso “silêncio na cidade não se escuta” mostra que existiam muitas vozes querendo se expressar, porém a situação as obrigava a não se pronunciar, a palavra não saía da garganta, pois existia “tanta mentira, tanta força bruta”, ou seja, a ameaça explícita e velada de uso da violência contra os opositores abafou as vozes das cidades.

A violência volta a se relacionar com o silêncio nos versos “como é difícil acordar calado / Se na calada da noite eu me dano / Quero lançar um grito desumano / Que é uma maneira de ser escutado”. Acordar calado é difícil, mas necessário, pois se não se cala, corre-se o risco da danação noturna, isto é, durante a noite realizavam-se muitas das prisões políticas, longe dos olhos dos “cidadãos de bem”, podendo culminar em tortura e até em morte, encaradas, nessa análise, como representadas pelo “grito desumano”, o grito daqueles que perderam a humanidade pelas mãos dos torturadores, mas que no sacrifício – assim como nos sofrimentos de Jesus Cristo na cruz, tema sugerido pela repetição das palavras pai, vinho, sangue e cálice – se fazem ouvir.

Na quarta e na quinta estrofes é possível interpretar o sentido dos versos como uma tentativa do autor mostrar que, apesar da “palavra presa na garganta”, há a possibilidade de resistência. “De muito gorda a porca já não anda / de muito usada a faca já não corta” é a imagem de um Estado gigantesco, invasor dos âmbitos privados, crescendo ainda mais, gerando sua própria contradição, a faca que de tanto cortar perde sua utilidade. Enquanto o quarteto “esse pileque homérico do mundo / de que adianta ter boa vontade / mesmo calado o peito resta a cuca / dos bêbados do centro da cidade” evidencia um mundo ao avesso – a ditadura que destruiu a democracia em construção dos anos 1950 e 1960 -, um mundo bêbado, fora de si, onde apenas a vontade ou a idéia de mudar não bastam e onde os que pensam, aqueles que ainda têm cuca, estão bêbados com o regime, isto é, as classes médias dos centros das cidades iludidas com o crescimento econômico, classes que emperram a mudança. Todavia elas perderão a cabeça, segundo a vontade do autor, na estrofe seguinte.

Quando se diz “quero perder de vez tua cabeça” refere-se a esse teu, um interlocutor elíptico, podendo ser visto como esta cabeça dos centros das cidades e dos donos do poder, Chico pode estar referindo-se a essas classes médias que têm papel fundamental na manutenção do regime e contribuem significativamente com a formação, consolidação e reprodução de valores favoráveis ou geradores da crença sobre este sistema político. Então perder tua cabeça adquire um valor de negação da ilusão, dos valores e da crença no status-quo, “minha cabeça perder teu juízo”.

Nos dois primeiros versos da última estrofe parece existir uma chama de esperança ou a tentativa de retirar o véu ideológico desse governo que provoca o silêncio para conter a reação. “Talvez o mundo não seja pequeno” procura quebrar certa visão lacônica e imediatista – geradora de conformismo, própria das camadas sociais beneficiadas pelo “milagre econômico” – e mostrar a vastidão do mundo, a existência de inúmeras experiências políticas diferentes, outros modelos de regime, formas diferentes de se organizar um país e múltiplas soluções para os mesmos problemas, que não necessariamente passem pela violência. No verso seguinte, “nem seja a vida um fato consumado”, existe a tentativa de quebrar o conformismo e a apatia e mostrar que as coisas são mutáveis, que a vida dos homens é um processo, é história, não está escrita e não é monolítica, sendo passível, portanto, de uma ação transformadora.

O mundo que se espera com a transformação é aquele que permita “inventar o próprio pecado” e “morrer pelo próprio veneno”, ou seja, permitir ao povo realizar-se, governar-se, tentar e pagar pelo próprio erro, como nos regimes democráticos, e não impor a verdade através de um Estado centralizador.

A raiva e a vontade de fugir desse governo opressor aparecem já na primeira estrofe em “de que me serve ser filho da santa / melhor seria se filho da outra”, pois as rimas são organizadas de forma a induzir o leitor a construir um palavrão. As palavras finais dos versos anteriores são: labuta, peito, escuta, santa, logo em seguida aparece outra, soando estranha ao ouvido.

Uma possibilidade para se entender esta agressividade é a censura sistemática da obra de Chico Buarque, principalmente no governo Médici. Porém, é possível perceber na canção que o foco não está composição musical, mas possui um caráter mais amplo.

É difícil separar, mesmo um pouco distante historicamente, o que foi incentivado pela censura e o que foi impossibilitado, contudo é passível de reflexão o fato de que, principalmente a partir dos anos 1950, o Brasil sofreu um momento de efervescência cultural que durou, pelo menos, até meados dos anos 1970. Então, a censura, por si só, não explica o surgimento de grandes compositores populares sob a ditadura militar, e buscar nesse instrumento de um governo a resposta para manifestações artísticas profícuas do período é no mínimo especular com a História.

O que está em jogo quando se fala em censura é a relação estabelecida entre o público e a coisa pública, ou seja, aquilo que deveria ser de acesso geral, pois diz respeito à própria sociedade, sua organização e sua reprodução, contra interesses particularistas, que estabelecem seus domínios com a apropriação do pertencente à coletividade. Dizendo respeito tanto a conteúdos – artísticos, culturais, jornalísticos, de transparência (só para usar uma palavra da moda) - como a direitos e deveres estabelecidos em conjunto (não em um sentido conservador, de ordem, mas de reconhecimento das desigualdades e da busca de uma saída para elas, ou os velhos vocábulos: universalização, acesso, distribuição, equidade).

E esta ligeira definição talvez ajude a mostrar que a composição de Chico Buarque e (do velho) Gilberto Gil não esteja tão velha assim. Quantos cale-se você não ouviu ultimamente? Do congresso? Da mídia? De empresas? De qualquer pessoa que tivesse algo a comprovar? A institucionalizada não é a forma mais refinada de censura.

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Abaixo, video da música Cálice tocada por Chico e Gil no festival PHONO 73, no Anhembi. A letra da canção havia sido censurada, juntamente com Anna de Amsterdã, de Chico, mas os artistas decidiram subir ao palco e apresentá-la com a letra distorcida. Porém, os policiais exigiram que a mesa cortasse os microfones. No DVD é possível ouvir Chico dizer: "Estão me aporrinhando muito. Esse negócio de desligar o som não estava no programa. Claro, estava no programa que eu não posso cantar a música nem "Anna de Amsterdam". Não vou cantar nenhuma das duas. Mas desligar o som não precisava não".





domingo, 3 de junho de 2007

Memórias de McCartney

Certa vez perguntaram ao Paul (Sir Paul, desculpe) se um dia ele pretendia parar de compor. Ele não gostou da pergunta. Agora, mesmo aos 64, parece ter o entusiasmo que tinha quando, ao fim dos Beatles, se trancou num estúdio para compor e gravar todos os instrumentos de um novo projeto solo. Mas apenas parece. De lá pra cá há um enorme abismo.

Em 1970, entre uma dose e outra de uísque, ele brincava com a aparelhagem de seu home studio. Aproveitava o sossego de sua fazenda na Escócia para experimentos. Incorporava a espontaneidade. Criava solos de bateria e gravava sua respiração ofegante conforme aumentava a pressão sobre os tambores. Não tinha preocupações com Heather Mills, na época uma inofensiva recém-nascida. Havia Linda...O patrimônio criado pelos Beatles permitia que Lennon e McCartney - o Harrison também - seguissem em frente, sozinhos. A cobrança ficava entre eles: qual Beatle é mais criativo (leia-se: vende mais – embora não seja a mesma coisa) em carreira solo?

Porém, conforme alertava Bob Dylan, os tempos estão mudando! O Sargento Pimenta fez 40 anos (ontem), e nesta semana é lançado Memory Almost Full, o 21º álbum solo de McCartney. E lá vamos nós - todos nós de corações solitários - ver o que o ex-Beatle (não gosto do prefixo. Não é como ser um Menudo. Uma vez Beatle, sempre Beatle!) anda fazendo. E qual é a reação ao ouvir Dance Tonight, a primeira faixa? Bastam quinze segundos para um pensamento: “Esse é o mesmo cara que participou da quarentona obra-prima do rock?”.

Se os tempos mudaram, e principalmente as circunstâncias para compor, outras coisas continuam como antes. Em entrevista recente, Paul diz usar os mesmos pequenos truques para composição de quando assinava com John Lennon. E, de fato, algumas lembram Beatles, outras Wings, e também um pouco de seus últimos trabalhos. Veja lá nas velharias dos Wings se já não foi gerado material parecido com Dance Tonight. É como a roupagem de Mull of Kintyre (1973) substituindo violão por bandolim, e gaita-de-fole por...assovios. Logo, não deveria surpreender, mas, pode decepcionar quem procurava algo revolucionário (teria como?).

A diferença é que em 1973 era possível lançar Mull of Kintyre num compacto para promover um álbum. Mas, quem comprava o novo disco não ouviria Mull of Kintyre! Estava apenas no compacto - por sinal, o mais vendido da história. Hoje a estratégia é diferente. Paul, além de todo talento musical, também é conhecido como bom marketeiro (sem conotações pejorativas, por favor). Sabe criar singles e fazer vender. Ou, pelo menos, sabia...

Dada a extinção dos compactos, Dance Tonight foi “promovida” com grande modernidade: o YouTube. A palavra acima não à toa está entre aspas. Muitos fãs vão considerar a música um atentado contra a imagem do Memory Almost Full. Um amigo, fanático por Beatles, disse que a ouviu e se desinteressou para conhecer o resto. Digo, “o resto”.

As comparações com seu último álbum, Chaos and Creation in the Backyards (2005), sobre qual é melhor, foram imediatas. Embora inevitável, a comparação não é justa. Ouvia-se dizer antes do lançamento de Chaos: “um dos melhores trabalhos de McCartney”; “uma prima de Blackbird entre as músicas” (yeeeah, o marketing deu certo!). Antes do lançamento foi criada uma boa expectativa, sem nenhuma faixa ter vazado na Internet! A estratégia funcionou, não em termos de vendas (afinal, os tempos mudaram), mas, foi bem aceito – e o álbum é realmente bom.

Memory Almost Full chega discreto, sem alardes. Não se esperava o lançamento de dois álbuns em um período tão curto (sem contar o Ecce Cor Meum, trabalho clássico lançado há poucos meses). Logo, a publicidade ficou por conta de Dance Tonight justamente no ano em que voltamos a falar de Sgt. Pepper. Ao contrário de Chaos, quem apenas ouviu o single chega com maus pressentimentos para conhecer “o resto”. Vista as circunstâncias desfavoráveis deste lançamento, resta o exercício de ouvir – o álbum, para o infortúnio de Paul, caiu na Internet semanas antes de ser lançado.

Não é preciso muito para perceber que a sonoridade (timbres, freqüência do microfone, a repetitiva ressonância da vogal ‘u’, etc) se assemelha com o Driving Rain, de 2001. Então, descobre-se que o produtor foi o mesmo, David Kahne. Na época de Chaos, muito se falou sobre Nigel Godrich, que já produziu o Radiohead, auxiliando e sabendo interpretar como as canções deveriam soar. Se existe alguém que mais teme comparações, este é David Kahne, que dispara numa entrevista ao jornalista brasileiro Claudio Dirani: “Este (o atual) é meu álbum favorito do Paul”. Percebem? É o mesmo marketing, talvez tardio. Se Nigel Godrich teve o prestígio de ser indicado por George Martin, dos Beatles, para o álbum de 2005, David Kahne não teve o mesmo mérito. E, antes de ser criticado, ele espertamente se defende: “Por favor, não use referências de outras músicas! Paul é diferente. Ele não resgata nada em seu passado. Compõe, toca e grava sempre pensando em criar algo novo”.

Embora minta, a defesa é compreensível. E eu, assim como ele, também evito comparações (mesmo porque Mull of Kintyre é melhor do que Dance Tonight (!!!!) ).

Agora, se sua admiração pelo Sir. não foi afetada, e você não pensa que ele seja apenas o Beatle romantiquinho, acomode-se numa poltrona tão convidativa quanto a estampada na capa do CD para uma audição. Ouça os riffs de Only Mama Knows, a tensão de House of Wax, os elementos clássicos e pseudo-eletrônico de Mister Bellamy, e a melancolia de You Tell Me. Quem sabe você não seja levado a pensar que os tempos não mudaram tanto assim.