UZOUTROS
De muito pequeno que, vira-mexe, sou reprimido com o pavor dos mais sábios: “O que é que os outros vão pensar?”. O dilema, claro, nem sempre é tão explícito, primeiro porque já não tenho idade para engolir esse infantilismo cínico e segundo porque quem o faz admite, ainda que para si mesmo, a fraqueza de seu próprio medo.
Natural, pois, que eu tenha crescido odiando “os outros”. Mesmo que eu nem soubesse quem eles eram, de fato. Uzoutros, para minha imaginação meio medrosa e meio desafiante, era instância máxima coercitiva, fantasma de pequenos sapecas e contraventores dos deveres de um bom menino. Até meus doze anos, Uzoutros me “fazia” sentir culpa de mim mesmo. Oh, papai do céu, eu era um malcriado e haveria de ser banido do mundo pel’Uzoutros. Rezava para que Chapolim acabasse com ele antes que ele acabasse comigo.
Não aconteceu nenhum dos dois. Mas hoje, mais lúcido e menos medroso, eu sei que não era nada daquilo, sei perfeitamente quem são eles. Os outros estão à nossa porta, à nossa espera para preencher suas vidinhas repletas de valores estúpidos e insignificantes; são o retrato da hipocrisia e da petulância vigentes em toda a pompa do nosso círculo social.
Os outros são os fúteis, os mesquinhos, os andarilhos da classe média guiada por rédeas. Os outros são aqueles que escreveram a Bíblia, aqueles que a lêem e que depois vomitam o falso moralismo cristão para cima de nós, pobres invólucros de pagãos sofredores. Sob o olhar e a vigia sanguinária dos outros, somos penitentes sem causa.
Os outros são os racistas (in) conscientes, os homofóbicos orgulhosos que desfilam sua ignorância e que, nossa!, são machões que não choram e não usam brincos nem piercings. São donzelas que trepam em silêncio (ou não trepam), mas urram e cospem para o alto com o grande orgasmo do fetichismo à vida alheia.
*O corretor ortográfico do Word sublinha a palavra “trepam”, pede para que eu corrija a expressão escrevendo “têm relações sexuais”. Educadíssimo, este programa. Os outros são o Word.
Os outros são aqueles chocados com o realismo perverso de Nelson Rodrigues e com o vandalismo sem perigos do rock; são aqueles que se incomodam porque estão abaixo do nosso presidente analfabeto e proclamam com toda seriedade e raiva “ele é tão burro que perdeu um dedo”. Os outros são os elitistas de terceiro mundo, arianos de sangue azul enojados com a falta de modos dos pobres; são os donos das televisões e os editorialistas destes jornais e revistas ditos grandes.
Os outros são os vizinhos do andar de cima, de baixo, de muro, de janela nos condomínios fechados e espremidos. Arquétipos da conduta reacionária e “sociável”, “civilizada”. Aqueles que não falam palavrões ou, se falam, “só dos mais leves, de veeeez em quando”. Os outros não falam “buceta”. No entanto, têm a cabeça encaralhada e fodida o tempo todo. O tempo todo.
Os outros são, sim, clichês. Ambulantes e desqualificadores de coisas e gentes. Os outros são aqueles que riem do que eu escrevo, da minha baixaria gratuita. Eles me acham mal educado...
Os outros são os donos da verdade; são eles que julgam o certo e o errado. Mas calma lá: os outros não julgam suas próprias atitudes, mas apenas as... dos outros. É uma loucura. Pior que isso: os outros se guiam pelos outros. Justamente por essa paranóia toda é que nunca, ou muito raramente, existem os “nós mesmos”.
Os outros estão do lado de dentro da nossa porta, mas ainda assim insistimos em tratá-los como estranhos, donos de uma mão invisível smithiana. Como uma terceira do plural indefinível. Os outros são assim. O mais perfeito retrato de – quase - todo mundo.
9 comentários:
Crespo, quanto ódio no seu coraçãozinho! O que os outros vão pensar?? o.O
Grande irmão jornalista Thiago R. Crespo,
A melhor opção do ócio é sem dúvida a leitora de seus textos.
Admito que ponderei o que escreveria neste post temendo a possível represália "dos outros", visto que estes se encontram agora diante de um momento pós-leitura tão reflexivo e inspirador. Não conto aqui com o corretor "moralista" do Word, fato que me obriga a reler mais atentamente cada palavra. Afinal, o que "os outros" aqui pensariam de um amigo/irmão seu que comete gafes ortográficas assim como alguém que desconhece a importância da própria coesão literária? Talvez eu pusesse em dúvida o prestígio da nossa amizade e do crédito e estima que sei que tem por mim. Mas quer saber? Danem-se "os outros" e suas opiniões retaliativas, te amo irmãozão.
Zarpão
Quanta besteira! Quanta baixaria!
Vindo de você só poderia esperar isso mesmo. Eu agora no papel de "Uzoutros" te condeno:
- Joguem-no aos leões!
Como pode alguém, com um passado vizinho à ditadura, vir em público e abertamente dizer coisas tão...
REAIS!
Polêmico. Dos meus!
Pequenininho, Parabéns. Mais um texto excelente.
Só quanto aquele trecho sobre o nosso Ilustríssimo Sr. Presidente da República. Ahhh que ele é burro pra caralho ele é né.
Petista safado.
Abraços! Bom resto de semana!
Zeh ;)
irráaaa
vamo no rodeio sexta ow
vai ter cesár menotti e fabiano
melhor show.....muito melhor do q "uzoutros".
nossa q péssima essa minha piada
hjIAUHIUhasiuhASHIahsuiHAIUHiuash
texto muito bomm
abraçoss
Fafá
Interessante você ter escolhido esse tema. Parece que com o passar dos anos, esse cerco se fecha mais ainda, e as preocupações com as nossas próprias atitudes parecem necessitar cada vez mais da nossa atenção. Achei muito bacana o texto, apesar de achar que certas vezes a necessidade de ter bons modos é confundida com repressão e outras práticas desse gênero. Concordo com você, por um lado, no exemplo dos palavrões, que me parecem ser palavrões pelo simples fato de poucas pessoas terem "coragem" de usa-los. Já se fala "porra" e "cacete" na novela das 8 normalmente, e ninguém tá nem aí. Mas por outro lado, tem gente que se constrange ao ouvir um palavrão mais "pesado", e isso, mais do que despertar um pensamento ruim sobre a sua pessoa (o que, de fato, nao importa), é falta de respeito. Dessa forma vc erraria com alguém que provavelmente te julga, e não sei se essa relação "erro por erro" é o melhor caminho.
Pelo caminho que o texto foi seguindo, achei que você acabaria com "Uzoutros somos nós". Você usou um "quase" na última frase que eu tiraria. Acho que somos todos assim. Praticamos nossas hipocrisias e expomos os nossos preconceitos. Diferententemente da maioria, acho que alguns têm a capacidade de reconhecer o erro, de se sentir estúpido vez ou outra, de refletir sobre (e de escrever sobre). No geral, acho que todos fazemos o papel "duzoutros" pra alguém, porém com intensidades(?) diferentes.
Queria escrever mais, mas agora vou assistir ao carnaval na tv. É carnaval isso que tá passando, né?
Abs
tem até carro alegórico...
Querido André,
além de agradecer a sua atenção para com o comentário (e a de todos os anteriores também), escrevo principalmente para dizer que tendo a concordar contigo na colocação do "quase". Inicialmente, a última frase não existia. Li, reli e a escrevi. Sem o "quase". O medo de generalizar, no entanto, freou a polêmica final e fulminante (confesso que até agora meus dedos estão coçando pra tirar essa palavrinha inoportuna). Generalizar nunca é recomendado, ensina a lição. E mesmo que eu não conheça ainda uma pessoa que não tenha esses momentos de Uzoutros, como você mesmo citou, vou permanecer no "quase". Mas repare: ele foi posto entre traços, a medida que encontrei para tentar transparecer o quão frágil e quase imperceptível ele é.
PS. Sugiro que você escreva sobre este "carnaval". Por que não?
Thiago, você é muito mal educado! Deixa a Salete ler isso!
ahahuaha
;)
Parabéns.. Genial!
Salve Intrépido e Descolado Thiago!
Estou contigo e não abro...!!!
Danem-se Uzoutros...!!!
Afinal, uzoutros não pagam nossas contas...!!!
Entretanto, existem algumas pessoas, dentre uzoutros, que são merecedoras de toda nossa consideração, respeito e admiração.
À estes "outros" cumpro reverência!
E vc, sem dúvida nenhuma, pertence a esta categoria de pessoas!
Forte Abraço!
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