sexta-feira, 11 de maio de 2007

Loucurações (sobre qualquer coisa)

Sofro de uma doença estranha. Embora a palavra doença soe carregada, ainda mais para a primeira linha de um texto, esta minha doença, creio eu, seja digna de risos, não compaixão. É curiosa, anormal, singular, e... estranha. É algo relacionado a outras doenças. Fui uma vez ao médico tratar um problema de estômago. Após três meses de tratamento voltei para dizer que de nada adiantou. A dor persistia. O médico disse que eu estava louco. Quis dizer que a minha doença, a relacionada ao estômago (!), deveria me levar ao psicólogo. Nunca mais voltei ao médico.

Tenho uma espécie de antropofagia cultural às avessas. Invés de incorporar o que há de bom nos outros, hospedo seus pequenos defeitos. Uma vez descobri que um amigo não conseguia engolir comprimidos. Em algumas situações ficava internado com tubos e tubos de soro para se recuperar de problemas que a ingestão de alguns comprimidos resolveriam. Eu nunca tive problemas com isto e debochei do coitado. Hoje sei que ele superou este trauma, e engole, se preciso, 5 (CINCO) enormes (ENORMES!) drágeas de uma só vez!!! Eu, em compensação, desde então preciso mastigar para conseguir engolir diariamente um minúsculo remédio para dor no estômago.

Após este fato andei pesquisando sobre pessoas neuróticas e estava quase me diagnosticando, até descobrir que para Freud todos são neuróticos, ou então, perversos. Ok, sou neurótico e não falemos mais disto.

Mas vejo que ainda não expliquei exatamente sobre o que consiste esta minha doença estranha. É uma espécie de doença de Zeno, de quem agora vou falar para que entendam o problema.

O livro A Consciência de Zeno, de Italo Svevo (1861-1928), conta uma história não linear. Já com certa idade, o personagem Zeno resolve ir ao analista para rever sua vida. A narrativa dá passagem a primeira pessoa nos relatórios escritos por Zeno, quando o médico o aconselha a lembrar e escrever episódios marcantes de sua vida. Assim, ficamos sabendo sobre seus fracassos amorosos, o trabalho que não lhe trazia satisfação, e suas tentativas frustradas para mudar de vida. Seria dramático, não fosse hilário. Pois ora, a memória é incerta, e nem sempre sabemos se aquilo realmente aconteceu. Zeno tem uma visão afastada sobre cada episódio vivido. Ele mesmo não sabe como julgar cada situação do passado, e muitas descrições tornam-se patéticas.

Contudo, o humor fica por conta das manias do personagem, que se apresenta como um típico sujeito neurótico, cheio de cismas que se transformam em doenças das mais bizonhas – como eu. Ao se reencontrar com um antigo amigo, começam a conversar sobre um problema que este tem na perna. Conversam algum tempo sobre o tratamento do outro. No final da conversa, Zeno volta para casa mancando.

Claro que agora, quem chegou até este ponto do texto, pode estar ansioso para entender duas coisas. Primeiro: aonde eu quero chegar com isso? Segundo: saber se eu adquiri essa doença ao conhecer sua existência lendo o livro. A primeira será respondida naturalmente, no decorrer do texto (ou não). Já com relação à segunda, se você realmente fez essa pergunta, então meu amigo, você está a um pequeno passo para adquirir esta doença também. Pois para este complexo capcioso, basta pensar em não possuir determinado problema e...pronto! Acontece. É um inconveniente terrível, que pode acontecer com qualquer um. Estimativas indicam que até o ano 2035, mais de 35% da população mundial sofrerá deste mal.

Ah, esqueci de mencionar que também tive contato com pessoas mitomaníacas. Acontece...

4 comentários:

Isabela disse...

Senhor Lúcio (não o Ribeiro), acho que o senhor deveria voltar aos médicos (a todos, como um bom hipocondríaco). Eu mesma fiz isso esses meses pós formatura e digo: até uma pessoa saudável não é saudável. E quanto mais a medicina avança, mais percebemos o quanto somos imperfeitos e tortos. Será que isso é mesmo necessário? Deixo essa pergunta para o senhor. E vou tomar meus comprimidos do café da manhã.
Abraços

Thiago Crespo disse...

Misterioso como o dono deste pseudônimo, digamos, invejável, o texto em si é também muito saboroso e bem escrito. Gostei demais, principalmente por não saber - da primeira vez - quem escrevia. Os mistérios estão ligados.

Mas permita-me dizer do prinicpal: também padeço deste seu mal, Lúcio
das árvores de tangerina. Não leio reportagens sobre os males do coração sob pena de sentir agulhadas e batuques descompassados. Nem converso sobre dores, doenças e afins. Não gosto de farmácias e tomo remédios tentando ao máximo não ler suas bulas. O meu médico disse que isso é bom, é vontade de viver muito. A você, indico Doctor Robert. Conhece?

André Piunti disse...

O livro caminha como em doses homeopáticas!

Anônimo disse...

Doenças do mundo moderno. Ou do capitalismo, diriam os mais radicais!

No tempo da minha avó não tinha essas coisas...