sábado, 30 de junho de 2007

LATE, MAS NÃO MORDE

Às vésperas de completar vinte e dois anos, fui soterrado, sem qualquer chance de resistência, por um pedregulho de desilusão. Depois de sair de um show da Cachorro Grande no teatro do Sesi, em São Paulo, meio desolado, até tentei não perceber o óbvio: o rock era o tal pedregulho.

Na companhia de uns chapas, saí com um riso amarelo e uma ponta de não querer acreditar em alguma coisa (“eles são bons pra caramba, vocês não acham?”). Às 21h15 daquela terça-feira, eu tomei um metrô e voltei ao trabalho. Aliás, foi neste exato caminho que não pude mais tentar me trair: eu estava transpirando mais no vagão do metrô vazio do que havia transpirado durante todo o show. O rock havia me enganado, era isso? Mas, que cacete, por onde ele andava?

Cachorro Grande é roots, não posso dizer que perdi viagem. Se tudo dependesse deles (só deles!), aliás, talvez a pedra se esfarelasse antes de me pegar. Mas não. A organização, que é até gente fina de promover essas coisas a três reais, perdeu os limites e me tirou do sério. Cheguei às 20h15, o show havia começado às 20h00 e, no ingresso, pediam pra chegar às 19h45. Não era show do Ari Toledo, porra! Cheguei atrasado, mas, em meio minuto, eu estava na frente do palco. Cadê o rock nisso aí? O pessoal que foi, das patricinhas da lista VIP vestindo umas roupas chiques que eu não sei o nome até os cachorrinhos alinhadíssimos de terno e boina, estava, por assim dizer, meio miado (putz, eu juro que queria evitar esse trocadalho). Tentavam se agitar, ok, mas sempre com o cuidado de não borrar a maquiagem ou desamarrar o cadarço do All Star modelo novo.

Estava tudo comportado demais, num case de politicamente correto jamais imaginado por qualquer tiozão reaça: proibido fumar, proibido tirar foto, proibido tirar a camisa, proibido tomar cerveja (lá não vende e é proibido levar de fora), proibido destruir os assentos estofados que dividiam as pessoas em fileiras separadas (mas, graças ao diabo, ninguém estava sentado, pelo menos); proibido gritar, perder os modos, socar alguém na brincadeira.

Olhando para tudo aquilo, lembrei, entre aspas, da depredação geral de um lugar parecido na época do lançamento do Cabeça Dinossauro, dos Titãs. Ou de uma tal guerra de sorvetes promovida pelo público dos Paralamas, se não me engano, num shopping do Rio. Entre outros oitentismos, pra ficar na reviravolta nacional. Deve ter sido foda pacas (uma guerra de sorvete, por mais fria que seja, deixaria qualquer um daqueles seguranças do Sesi absolutamente descontrolados).

Mas, como eu ia dizendo, a culpa era muito menos da banda. E nem só do Sesi, também. Serião, afinal, é só pensar que hoje em dia os Titãs fazem pose de rebeldes com uma musiqueta de protesto bocó e os Paralamas são regravados por Rio Negro & Solimões. A Cachorro Grande se esforça, tem um look meio beatle-desleixado, umas coisinhas bem legais e um vocalista que usa uma camiseta escrito “who the fuck is Mick Jagger?”, mas, sinceramente (opa, olha o trocadalho!), o rock é bem, mas beeeem maior que isso. E, como diriam os Los Hermanos, eu não estava lá, mas eu vi. Eu sei que é.

Quando saí de lá mais limpo do que quando cheguei, enfim, percebi que tinha alguma coisa errada, muito mamão com açúcar e pouca seringa na veia, pouca coisa do mal. Caretice, quadradice, pilantragem e um baixista que se dignou a dizer duas únicas palavras muito rock’n’roll para os seus filhotes durante todo o espetáculo cronometrado: “Putaqueopariu, meeeu!”, naquele gauchês arrastado, sabe? No mais perfeito retrato de um rock meio brocha, sem perigo algum. Sóóóó.

Pode até parecer clichezão vir com esse papo de morte do rock e tal, mas... peraí! Quem foi que falou aqui que ele morreu? Pô, bicho, eu ainda tenho vinte e dois anos!! O rock não morreu, não, de jeito nenhum. Mas é um velhinho pançudo e acomodado em uma daquelas poltronas do último disco do Mccartney, com a língua de fora, como uma distorção real daquela que os Rolling Stones eternizaram. Putaqueopariu, mêo.

Rockers, nem tanto

O show da Cachorro foi na semana passada, desde quando eu vim pensando se as coisas eram realmente assim ou se eu estava fantasiando demais em torno do mítico quase sexagenário. Aí, ontem, eu resolvi dar um pulo na exposição do Bob Gruen, o fotógrafo que conheceu de perto os maiores nomes do mundo (isso, do mundo). Se, por um lado (digo, o das fotos), entendi que não estava fantasiando nada, que o negócio tinha sido realmente fodástico, por outro eu tive certeza que o rock tinha virado mesmo um melindre cheio de dedos.

Na entrada, naquele puta salão bonito da FAAP, o primeiro funcionário desconfiado já interceptou minha amiga por causa do tamanho da bolsa dela. Bolsas, só até aquele tamanho ali, apontou (um tamanho que, diga-se de passagem, dava pra levar facilmente um quadrinho pequeno da exposição, se esse era o caso de proibirem – sempre esse verbo – a entrada de sacolas maiores). Vá lá, fomos para o guarda-volumes.
Depois de uns dez minutos que estávamos lá dentro, nova abordagem.

- Por gentileza, senhores, é proibido tirar fotos.
- Ah, sim, obrigado, mas não estamos tirando fotos.
- É proibido falar ao telefone celular, também.
- Certo, não estamos falando.
- É proibido atendê-lo, senhor.
- É mensagem!
- Não se pode enviar mensagens, senhor.
- Não enviamos. Recebemos.
- Não se pode usar o celular aqui dentro. Obrigado.

Pouco ruborizados e muito perplexos, deixamos pra lá e seguimos apreciando as fotos do New York Dolls, enquanto ainda ríamos da mensagem enviada pelo amigo. Nossas risadas, inclusive, incomodavam o segurança que não gostava de celulares. Fo-da-se!

Exposição bacana, mas, como nem tudo é perfeito, entre o Iggy Pop, o Kiss, o Led Zeppelin, o Lennon e os Ramones, estava... não, não a Yoko... estavam os seguranças, vulgo mibes, falsos donos da ordem, capanguinhas de terno e gravata. Num outro momento de imensa viagem ao olhar para todos aqueles registros, chegou outro rapaz muito educado e me pediu para jogar o chiclete fora. “É proibido, senhor”, explicou.

Não era possível. Não era possível. Que merda era aquela? Uma piada? Uma pegadinha? Numa exposição de rock, R-O-C-K, meu amigo, era tudo tão gay assim? Mas, de novo, tentei me convencer de que as coisas faziam sentido. “Bom, é verdade, imagina se alguém resolve grudar um chiclete nessas preciosidades?”, ao que me minha amiga responde “Ué, você também poderia grudar uma caquinha de nariz, e isso eles não podem te impedir de trazer”. Concordei plenamente e guardei o chiclete na boca.

Durante todo o passeio foi assim, seguranças rondando a menos de dois passos, medindo dos pés à cabeça, à espera de qualquer deslize (ou não), de qualquer pecado grosseiro dos visitantes, como farejadores que, na falta do que fazer, procuram o que fazer para justificar o dia e passar o tempo. Tudo bem, de novo, DE NOVO, dá pra entender. Deve ser chato pacas ficar naquele lugar meio mórbido e cheio de fotos de caras que eles não têm a mínima idéia do que significam.

Como bons cães de guarda, eles cumprem ordens, apenas. Não sejamos injustos. Mas que diriam, então, se, por acaso, eu quisesse entrar com um cachorro-quente igual ao daquele cara que estampa todos os anúncios da exposição? Sid Vicious, né? Não rolaria. Só do lado de fora. Pendurado.

Viva o velhinho molenga e seus seguidores cretinos.

4 comentários:

Isabela disse...

Viva!!! Só não gostei da parte do "era tudo tão gay assim?". E gay não masca chiclete, não atende celular e não gosta de rock? Muitos caras das fotos que vimos, naquele rock fodástico, eram gays. Ou se fantasiavam de gays. Ou tinham amigos gays.
Fora isso, e a hipocrisia toda da exposição, é prazeiroso ver a foto gigante do Sid todo melado de mostarda logo na entrada daquela faculdade barroca de frescos.

Thiago Crespo disse...



Foi a ÚLTIMA mudança que eu fiz no texto; troquei alguma outra palavra meio séria demais por "gay". Hesitei um pouco (uns 2 segundos), confesso, pois deveria haver protestos e mal-entendidos.

"Gay", nesse caso, não se refere ao homossexual, em hipótese alguma, mas ao sentido carregado que a palavra adquiriu na voz da expressão popular. Carregado do que? De sentidos como "frescura", por exemplo. Como "melindre cheio de dedos". Foi no sentido deliberadamente pejorativo, portanto.

Gays mascam chiclete, atendem o celular, gostam e fazem rock. Mas, sobre isso, quem fala bem melhor é o Forasta, na última edição da Bizz.

Anônimo disse...

Quanta frescura, não?
Precisamos aprender a incomodar de verdade, se não esses caras não sabem como conduzir o ofício de “proteger os heróis”.
Na Faap são apenas fotos! Fotos! Um cartaz com uma imagem já espalhada pelos quatro cantos do mundo, graças a Deus! Na Fnac vc já pode comprar essas fotos num livro gigante.
Passei 4 horas sozinhos no Masp numa terça-feira em que estavam expostas 4 telas de Van Gogh. Não era uma foto, e todas imagens de livros e internet são cópias infiéis daquele modelo único, exibido em minha frente. Só pra mim. Um século depois de sua morte, eu tinha o privilégio de estar frente a frente com uma obra única do artista. Única! Eu e mais 4 seguranças, que, logo desistiram de me observar. Fiquei só. Podia colar o que fosse à tela, e, admito q fiquei tentado a passar levemente o dedo na textura deixada pela tinta, sem ninguém para me reprimir. Não havia sequer um vidro me separando de um contato com as mãos de van Gogh. Mas não o fiz. Por respeito.
Agora, fotos? Que merda aqueles cartazes representam? Se alguém estragar faz alguma diferença? O mundo não poderá mais ver “aquelas fotos”?
A ordem e a falta dela nos tornou hipócritas. Todos nós: público, bandas e leões de chácara. Hipócritas!

vida longa ao Masp!

Eduardo disse...

Só nos resta tocar um tango argentino...