terça-feira, 12 de junho de 2007

O CARA CERTO NO LUGAR CERTO (e com um tanto de talento)

O movimento punk nasceu na Inglaterra como um protesto social contra o desemprego, a qualidade de vida, a economia recessiva e os insucessos políticos para solucionar tais problemas. Certo? Absolutamente errado, segundo o livro “Mate-me Por Favor”, uma coletânea de entrevistas com os personagens principais dessa história (os músicos, as groupies e os agregados), organizado em forma de diálogo por dois jornalistas. A edição é impressionante e faz com que a verdade vá aparecendo pela repetição, entre uma porção de mentiras, aumentos, e relatos de gente que estava, na maior parte do tempo, em outra dimensão.

O punk, de fato, ou pelo menos suas raízes, estão nos Estados Unidos, com bandas de jovens arruaceiros e perdidos que tocavam em pequenos clubes no começo dos anos 70. Daí vieram os Stooges de Iggy Pop, o Televison, Dead Boys, Dictators, New York Dolls, Ramones, Blondie e cia. E é aí que entra Bob Gruen, fotógrafo que ganhou fama documentando shows, backstages, festas, orgias, intimidades e momentos de criação destes que viriam (para a surpresa deles, que se julgavam “ratos de porão”) a fazer História. Algumas de suas fotos mais famosas, como a de John Lennon com a camiseta “New York” (dada a ele pelo próprio Gruen), estão na exposição Rockers, na FAAP, até 1º de julho (http://www.bobgruen.com/events.htm).

Suas primeiras fotos foram tiradas assim, aos 20 anos, desempregado, por diversão, do ídolo Bob Dylan. Gruen conseguiu um passe livre para ficar lá na frente junto com fotógrafos profissionais no Newport Folk Festival, em 1965 - alguém imagina isso acontecendo hoje? -, aquele em que Dylan empunhou uma guitarra e disse “rock’n’roll é folk music”, e foi vaiado até sair do palco.



Cercado de amigos com bandas de rock, estas desconhecidas na época e hoje, Gruen começou a fotografá-los nas noitadas e documentar os shows. Um desses amigos arrastou-o para o show de Tina Turner e Ike, em 1970, e, imaginem, era um show pequeno, de início de carreira da dupla, no Queens. Gruen conseguiu um lugar bem na frente e tirou várias fotos de Tina dançando na luz estroboscópica, o que deu criou um efeito impressionante nos negativos preto e branco. No show seguinte, ele levou as fotos para mostrar para os amigos, que, na saída, praticamente jogaram Gruen em cima de Ike para que mostrasse seu trabalho. E Tina adorou. Essas fotos, aliás, estão logo no início da exposição, com um metro de altura.



O “cara certo no lugar certo”, como ele mesmo já disse, virou depois melhor amigo e fotógrafo oficial de John Lennon e Yoko Ono, na época em que estavam em Nova York. Depois foi conhecendo produtores, gravadoras e jornalistas, e conseguindo trabalhos aqui e ali, com os Bee Gees, Elton John, etc.

Gruen conta* como ficava até a uma da manhã fotografando para ganhar dinheiro com os “irritadinhos” da indústria da música (ele não cita nomes) e depois ia ao centro da cidade, ao Max’s ou ao CBGB’s, os clubinhos underground, tomar uma cerveja, ficar com os amigos e ver a banda, geralmente garotos desempregados que aprendiam dois ou três acordes e formavam um grupo para ganhar o dinheiro da noite. Com os NY Dolls foi assim, com Patti Smith também, Ramones idem, Debbie Harry ibidem. Bem, o resto já se sabe: o público cresceu, surgiram os contratos, eles ganharam o inesperado dinheiro, destruíram hotéis, fizeram turnês pela Europa, e muitos morreram de acidentes ou overdose. Ah, Gruen também viajou muito pela Inglaterra, acompanhou os Sex Pistols (a foto de Sid Vicious lambrecado de cachorro-quente está na fachada da FAAP, e também integra a exposição) e o conturbado relacionamento de Sid com Nancy Spungen. No livro “Mate-me Por Favor” existem relatos que contrariam a versão oficial de que ele a teria matado durante uma festa regada a drogas em um quarto do Chelsea Hotel. O próprio Bob Gruen disse que “vicious” (algo como “malicioso”) era totalmente o contrário do que era Sid, apaixonado e medroso.



Bob Gruen tinha duas vantagens que provavelmente não percebia na época: era um dos únicos que “perdia tempo” fotografando músicos esquisitos, que, por serem proposital e assumidamente esquisitos (e, achava-se, fadados aos pequenos palcos das lanchonetes improvisadas até terem um emprego “decente”) se deixavam fotografar nas situações mais esdrúxulas e naturais do seu cotidiano. Bem, e tinha o fato de ele ser amigo de todos eles, presente em todas as festas, shows e viagens. Gruen vendia algumas dessas fotos para a Creem e a Rock Scene, revistas respeitadas no meio. Na época, só no meio. Hoje, Bob faz exposições. Quando surgiu a câmera de vídeo, ele começou a filmar os shows, e as bandas se empolgavam para ver os próprios shows, capturados em vídeo pela primeira vez. Hoje, Bob vendeu alguns trechos para documentários da BBC e da Warner. É, o mundo mudou.


*Informações tiradas da entrevista com Carlo McCormick (http://www.bobgruen.com/interview.htm) e do livro “Mate-me Por Favor”, de Legs McNeil e Gillian McCain – que, aliás, fundaram a “Punk Magazine”, revista e fanzine do clubinho e que, dizem eles, cunhou o termo “punk” (http://www.nyrock.com/killme.htm).

2 comentários:

Thiago Crespo disse...

que vida prazerosa, a desse sujeito! mas fico pensando como deve ter sido pra ele a questão da liminaridade...

sábado vou vê-lo!

Isabela disse...

imagino que mais fácil que para nós jornalistas... afinal, o trabalho dele é sempre tirar boas fotos e nós temos que destruir um ou outro de vez em quando!