terça-feira, 3 de julho de 2007

ALGO MAIS DO QUE UMA SOMA DE ROTINAS

Eu nunca havia lido nada de Llosa - um daqueles autores eternamente na lista dos próximos, mas sempre outro livro entrava na frente com um gancho momentâneo. Quando li sobre o novo lançamento de Mario Vargas Llosa, “Travessuras da menina má”, este foi o gancho do momento. O resumo do enredo (quentinho do press-release) bailando em todos os jornais me chamou atenção: a história de encontros e desencontros de um homem e uma mulher, por várias fases de suas vidas e lugares do mundo.

Não, de fato a história não é o mais importante, e sim como o autor a desenvolve, o que conta, o que deixa implícito, as palavras exatas que usa e o que desperta em nós. E nisso as travessuras da menina má são exímias, com personagens atraentes, linguagem cuidadosa, descrições concisas e límpidas.

É uma vida inteira contada em 302 páginas que, diferentemente de livros mais curtos e rápidos de ler, pausa para descansar e refletir. Ficar na expectativa, assim como o protagonista Ricardo Somocurcio ficava a cada sumiço da menina má. Ela, Lily, a chilenita, no Peru; Arlette, em Cuba; Miss Robert Arnoux, em Paris; Mrs. Richardson, na swinging London; Kuriko, em Tóquio; e muitas outras - todas essas identidades falsas que a menina má assumiu ao encontrar um novo homem-rico, um novo país, uma nova possibilidade de riqueza e tudo o que o dinheiro pode comprar, sua única segurança no mundo.

Ricadito, ao contrário, o bom menino, tinha como único sonho morar em Paris. Foi para lá, nos seus vinte anos, como tradutor da Unesco, sem esperanças de voltar a ver a graciosa chilenita cheia de mistério que conhecera num certo verão, no bairro de Miraflores, em Lima, terra da infância. Enquanto ele conta sua vida de viagens solitárias e poucos amigos, sempre entremeada de fatos históricos e políticos (da experiência de vida de Llosa), a menina má vai e volta, como se cada vez fosse a última, como se cada palavra significasse o seu contrário.

O protagonista expatriou-se da terra natal para ser um forasteiro “que jamais se integraria de fato à França de seus amores” e sua profissão, a de intérprete, é o ofício de falar pelos outros, uma “profissão de fantasmas”, como descrita pelo colega trujimán Salomón Toledano – que, aliás, faz parte de um leque interessante de personagens secundários, como o artista hippie Juan Barreto, o menino mudo Ylal, o construtor de quebra-mares Arquimedes.

Enquanto o bom menino, com sua única e rala identidade, acreditava na simplicidade e no cotidiano, a menina má, com suas múltiplas identidades, tentava se livrar do passado pobre através da aventura inconseqüente. Mesmo caindo em certos velhos ditados e conservadorismos, como “quem entra no fogo é para se queimar” - será mesmo? será que quem entra no fogo não conta sempre com íntima certeza e real possibilidade de sair ileso? -, Llosa não deixa a “menina má” e o “bom menino” se transformarem nas entidades do Bem e do Mal. Eles transitam entre esses dois extremos, numa narrativa essencialmente sem julgamentos, heróis ou vilões.

2 comentários:

Thiago Crespo disse...

O título é bastante instigante e, lendo assim a sua resenha, dá uma impressão de que a história quase não me é muito estranha; aquela coisa de já vi/estive nesse filme antes (como personagem secundário, no caso).

Gostei muito do final do texto, saciou minha dúvida quanto ao perigo de uma história possivelmente meio branco-e-preto demais. Fiquei com vontade de ler, vou colocá-lo na malograda lista dos próximos.

Unknown disse...

"a história de encontros e desencontros de um homem e uma mulher, por várias fases de suas vidas e lugares do mundo." hmmmmmm parece aquele filme com o Ashton Kutcher (?) hehehe ahhhhhh Ashton... hehehe brincadeira nêga, parece divertido..